Por: Aline Oliveira
Há pouco mais de seis meses, Gisleide Gomes da Silva se mudou junto com o marido e os cinco filhos para um barraco de apenas dois cômodos na comunidade Laranjeiras, no José Américo, em João Pessoa. Nem ela nem o marido trabalham, e a família vive de bicos que ele consegue sem nenhuma regularidade. “A situação é difícil, mas a gente vai passando”, conforma-se Gisleide. Em frente à casa da família, passa um córrego formado por esgoto que sai das casas e começa a se formar ainda no José Américo, o que provoca mau cheiro e atrai muitos mosquitos. Mesmo assim, a mãe diz que está satisfeita, já que agora mora perto de outros familiares numa casa própria.
A realidade de Gisleide é comum nas 110 favelas existentes na capital e atinge, em escalas diferentes, uma população que chega próximo das 344,5 mil pessoas, equivalente ao número de habitantes de uma cidade do porte de Campina Grande, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Secretaria de Desenvolvimento Social do município (Sedes). Isto significa que de cada dois moradores da capital, mais de um mora nestes locais, que se espalham por metade dos bairros. Todas estas áreas são fruto de ocupações, o que faz com que a regularização fundiária seja uma realidade distante da maioria, que não tem escritura nem mesmo do terreno. Assim, eles ainda enfrentam um problema a mais, já que não são legalmente donos do lugar onde moram.
O IBGE chama estes locais de aglomerados subnormais, que são definidos como “um conjunto constituído por, no mínimo, 51 unidades habitacionais, ocupando terrenos de propriedade alheia, dispostos, em geral, de forma desordenada e densa e carentes de serviços públicos essenciais”. A definição dá conta do que se vê principalmente no principal aglomerado de João Pessoa, o bairro São José, onde se concentra a maior população moradora de favelas da cidade, com duas mil casas e 10 mil pessoas.
Nos outros três maiores aglomerados de João Pessoa, as comunidades Porto de João Tota, em Mandacaru, Nova República, no Geisel, e Jardim Laranjeiras, no José Américo, onde mora Gisleide, a situação também é semelhante. No Cristo, onde também há grande concentração de favelas, são seis comunidades que reúnem quase 6,6 mil pessoas. Mangabeira não fica muito atrás, com mais de 2,3 mil pessoas morando em cinco favelas. Nos dois bairros, a população de favelas representa cerca de 9% do total. Já o Alto do Mateus e o Varjão têm quatro favelas cada um, que são o endereço de quase 5,2 mil pessoas.
A realidade que se vê nestes locais é muito parecida em termos de qualidade de vida e falta de acesso a equipamentos públicos. Não há postos de saúde, nem escolas, nem creches, nem transporte público ou esgotamento sanitário. Menos ainda há ruas pavimentadas e espaços de lazer, como praças e quadras de esporte. As casas são em sua imensa maioria de alvenaria e quase não se vê mais as de taipa ou papelão, como na comunidade Monte Calvário, no Cristo. Mesmo assim, as casas ainda são muito pequenas para o tamanho das famílias que nelas vivem. “Mas a maioria das pessoas só tem esta opção na vida, vai fazer o quê?”, questiona a vice-presidente da Associação dos Moradores do Jardim Laranjeiras, Eliane Maria Lopes Monteiro.
De cada dois habitantes de JP, mais de um reside em favelas
No último dia 16, um relatório divulgado pelas Nações Unidas alertou: até 2020 o número de moradores nas favelas brasileiras deve chegar a 55 milhões, fazendo com que de cada dez brasileiros, um deles vai estar morando nestes locais. As informações foram colhidas em uma pesquisa sobre os centros urbanos no mundo, divulgado recentemente em Londres. Em João Pessoa, esta relação já é muito maior, com mais de um habitante de favela para cada dois moradores da cidade.
O documento, intitulado de “O Estado das Cidades do Mundo 2006-2007”, elaborado pelo programa Habitat, mostra como as condições de moradia afetam quem vive nas favelas: eles passam mais fome, têm menos educação, menos chances de conseguir emprego no setor formal e sofrem mais com doenças que o resto da população das cidades.
Morando no Porto de João Tota há 35 anos, Antônio Marcos de Sousa confirma estes dados sem nem mesmo ter conhecimento da pesquisa que foi feita. “Aqui, esgoto e saneamento não existem e água só chega à noite. Mas conta e o carnê de Imposto Territorial Urbano (IPTU) não deixa de chegar nunca”, reclama.
Mesmo assim, o relatório cita o Brasil como exemplo em políticas de urbanização, saneamento básico e orçamento participativo e até responsável, junto com o México, pela redução no ritmo de crescimento das favelas na América Latina. Indiferente a isto, Eliane, do Jardim Laranjeiras, resume a situação: “Quem mora em favela não vive, apenas sobrevive”.
Esgoto é o principal problema
Antônio já é considerado um líder natural na comunidade, que não tem uma associação constituída ainda. Ele conta que quando chegou à região, em 1971, não havia mais do que cinco casas e que viu de perto toda a história que fez com que a comunidade se tornasse hoje uma das maiores favelas da cidade. Na época, a principal ocupação e fonte de renda dos moradores era o mangue, de onde saía muito caranguejo e marisco, cuja venda sustentava as famílias. O crescimento desordenado, no entanto, provocou, entre outros prejuízos, o desaguamento do esgoto no mangue e a poluição tornou a atividade impossível.
O esgoto também é um dos principais problemas enfrentados no Laranjeiras, já que ele escorre a céu aberto por entre as casas. Marcianita Gomes Duarte chegou para morar no local há menos de um mês e o filho de apenas um ano já está com o corpo todo tomado de ferimentos provocados por mosquitos, que são atraídos pela água suja que passa em frente a sua casa. “Não tem ventilador que dê jeito de afastar os bichos e nem posto de saúde para onde a gente leve a criança doente”, reclama, revelando outro problema enfrentado pelos moradores.
Escola também falta. No Laranjeiras, as únicas turmas existentes funcionam na sede provisória da associação, contando apenas com um convênio com a prefeitura. “Não tem de onde tirar a merenda escolar e a gente sabe que a maioria das crianças vem com fome de casa porque aqui as pessoas passam necessidade de verdade”, conta Eliane. A situação se repete no João Tota. Os filhos de Antônio tentam não repetir as histórias dos pais, ambos analfabetos, mas precisam se deslocar até a escola que tem em Mandacaru andando cerca de 15 minutos a pé. “Isso quando tem aula, pois quando chove, então, fica impossível”, revela.
Transporte público ainda é precário
Outro problema que recebe destaque por parte dos moradores é a falta de transporte público que atenda aos moradores, e as histórias de necessidade de se deslocar a pé por grandes distâncias até o ponto de ônibus mais perto são comuns. Na esquina da casa de Antônio, no João Tota, existe uma parada, mas o ônibus só passa pelo local a cada duas horas. A linha que trafega na região é a 506, do Bairro dos Estados, mas que só vai até lá neste intervalo. Para pegar o ônibus em intervalos menores, é preciso ir até a linha do trem, que fica a cerca de 15 minutos de caminhada da casa dele. “Imagine como fica a vida em dia de chuva e tendo que ir trabalhar de ônibus”, reclama.
No Laranjeiras a situação não é diferente e até para os carros o tráfego é difícil, já que as ruas ou são muito estreitas, ou muito esburacadas, ou foram transformadas em córregos de esgoto. Para ter acesso a um ônibus, é preciso caminhar até o José Américo. Eliane conta que de alguns pontos da comunidade, a caminhada pode chegar a 20 minutos até a parada mais próxima. “Agora imagine só como fica quem tem que trazer a feira para casa. Quem mora aqui não tem condições de ter um carro e depende mesmo do transporte coletivo, mas fica na mão nestas horas”, reclama.