Por: Fernanda Medeiros
Lixo vira comida e até uma porta na casa de dona Tereza Pereira da Silva, que mora na favela do Timbó com a filha e quatro netos pequenos. A vida dessa senhora, que aparenta ter mais de 70 anos, é apenas uma das inúmeras realidades das famílias que vivem espalhadas nos 122 “aglomerados sub-normais”, nomenclatura utilizada para invasões de áreas que são mais conhecidas como favelas ou comunidades. A questão de moradia na capital assusta quando a Organização das Nações Unidas (ONU) revela, através do relatório Habitat 2006, que o número de pessoas vivendo em favelas aumentou muito nos últimos dez anos no Brasil. O índice coloca Brasília como a capital brasileira que mais se “favelizou” entre o período de 1991 a 2000, com 398% das pessoas vivendo em condições precárias de moradia. Em segundo lugar está João Pessoa, com crescimento de 265% na população das favelas e, em terceiro, Salvador, com aumento de 179%.
O relatório elogia diversos programas sociais brasileiros, mas alerta que a vida de quem vive nas favelas continua piorando e que os velhos preconceitos não mudaram. O documento da ONU mostra como as condições de moradia afetam quem vive nos aglomerados: eles passam mais fome, têm menos educação, menos chances de conseguir emprego no setor formal e sofrem mais com doenças que o resto da população das cidades.
Atualmente, quase um bilhão de pessoas, o equivalente a um sexto da população mundial, vivem em favelas. Caso a tendência atual continue, este número vai subir para 1,4 bilhão em 2020, a mesma população da China, de acordo com o relatório do programa Habitat. Segundo a ONU, “a comunidade internacional não pode ignorar os habitantes das favelas, porque, depois da população do campo, eles são o maior grupo nos países em desenvolvimento e este número vai crescer quando estes países se tornarem mais urbanizados”. A solução para frear o crescimento desigual, de acordo com a ONU, é que os governantes levem as diferenças entre favelas e outras áreas urbanas em conta na hora de formular políticas sociais.
Vida dura de quem vive a realidade das favelas: Quem mora em casa de alvenaria com cobertura de telhas e tem emprego é “sortudo”
A reportagem de O NORTE, acompanhada da líder comunitária Berenice Ribeiro, foi ver de perto a situação das favelas da Capital. E ela parece ser pior do que é mostrada no relatório. Só em uma tarde, na comunidade do Timbó, a equipe encontrou a casa de dona Tereza, que tem aproximadamente 30 metros quadrados e sem o mínimo de estrutura. Ela foi herança do seu esposo, que morreu com problemas agravados pelo alcoolismo.
O chão é de terra batida, mas as paredes já são de alvenaria e o teto coberto com telhas, uma vitória comemorada por dona Tereza, que vê na vizinhança outras pessoas com casa de lona. Mas ainda falta muito para um pouco de condições básicas de moradia na casa da nossa personagem da vida real.
A porta é improvisada com um acento de sofá velho, que foi retirado do lixo e que também é a morada de um gato. “Cato lixo e peço nas casas, não vou deixar meu povo morrer de fome. Não tenho vergonha de dizer isso. Pior é roubar”, afirma dona Tereza, que sustenta a filha e quatro netos pequenos. Na hora da alimentação o fogão é de trempe e a panela levada ao fogo cozinha a escassa comida que se consegue durante o dia. Mesa e geladeira são utensílios de utilidade doméstica que dona Tereza nem cogita adquirir. “Quando a gente consegue carne, como esse sangue aí, deixo dentro de água com sal para não estragar”, explica.
Uma neta de maioridade de dona Tereza, Josimary Pereira da Silva, saiu de casa para viver com o companheiro em outra favela. “Estou morando em um quartinho na rua da Poeira, na favela Santa Bárbara, em Mangabeira. E vivo de fazer faxina”, afirmou a jovem que conta que já catou muito lixo para sobreviver, quando era pequena.
Hoje, ela diz que o maior sonho é conseguir morar em uma casa nos Bancários. Josimary disse que freqüentou escola, mas não saber ler, nem escrever direito. “Ia para escola, mas não tinha paciência de estudar”. O mais incrível é que os seus irmãos, os netos de dona Tereza, também não estão na escola. “Minha mãe vai colocar o que tem sete anos para estudar, para ver se consegue a Bolsa Família”, afirmou Josimary.
Comunidade pede creche
Os homens nessas comunidades passam o dia conversando, esperando o outro dia chegar, sem muitas perspectivas de vida futura. “A gente mora aqui há mais de um ano, não sei ao certo quanto tempo faz. E vivo de bico, quando aparece alguma coisa é bom”, disse outro morador do Timbó, Damião Assis, que mora em um barraco de lona com a mulher e o filho de oito meses.
As crianças se proliferam em cada casebre e ganham as ruas da comunidade, onde brincam pulando as poças de lama formadas por esgotos que correm a céu aberto. Para contornar um pouco a questão infantil, a líder comunitária, Berenice Ribeiro, pediu a prefeitura uma creche para 150 crianças. “A gente tem urgência de outra creche aqui na comunidade. As mães vivem reclamando que não têm onde deixar as crianças quando aparece algum trabalho”, disse.
Mais de 108 mil pessoas nos aglomerados
A Secretaria de Habitação Social de João Pessoa é consciente do crescimento das favelas e revela que atualmente existem 122 aglomerados subnormais, com uma população estimada em 108.727 habitantes. As comunidades estão distribuídas em quarenta dos sessenta bairros oficiais do município, ocupando uma área de aproximadamente 501 hectares, com 24.142 domicílios. O déficit habitacional quantitativo é de aproximadamente vinte e três mil unidades habitacionais.
Para tentar diminuir a problemática, segundo o diretor de planejamento da Secretaria de Habitação, a atual gestão municipal resolveu reverter tal situação, transformando a resolução dessa problemática em uma das principais metas da sua administração com vários programas habitacionais.
O marco inicial foi a aquisição de uma área de 300.000,00 m2, na zona sul da cidade, que foi chamada de Loteamento Parque Sul, que começou a ser construída em março deste ano e tem previsão de abrigar as famílias a partir de março do próximo ano. “Ela foi classificada como uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), conforme Lei Nº 10.636 de 23 de dezembro de 2005. Tal fato possibilitou e viabilizou o início dos projetos na área habitacional”, explica.
Segundo ele, nesta área, que vai contar com escola, ginásio de esportes, unidade de Saúde da Família e praças estão sendo construídas unidades habitacionais através do Programa Crédito solidário, com 300 casas em parceria com os Movimentos de Luta pela Moradia (ALAM e CMP); Programa de Carta de Crédito, que são operações coletivas, com 959 unidades; e programa de Habitação de Interesse Social – OGU com 77 pequenas residências.
Outro fator interessante é que o terreno está sendo preparado com total infra-estrutura de sistema de abastecimento de água; esgotamento sanitário, drenagem pluvial; pavimentação e energia elétrica. “Não será utilizado o sistema de fossas sépticas como solução para o tratamento e destino final dos despejos sanitários das unidades habitacionais e sim, um sistema de esgotamento sanitário completo”, acrescenta Polari.
De acordo com a Secretaria de Habitação, nesse primeiro momento vão ser beneficiadas as famílias que vivem de forma mais precária que são as que se encontram nos acampamentos/comunidades como: comunidade Jorge Luiz: 208 famílias; Vila Vitória: 30 familias; Comunidade Pedro Teixeira: 30 famílias;Comunidade Chico Mendes: 25 famílias;Comunidade Margarida Maria Alves: 57 famílias;Monte das oliveiras: 73 famílias; 19 de maio: 108 famílias; Cibrazem: 22 famílias; INSS: 104 famílias; Matadouro:27 famílias; LBA: 33 famílias; Defesa Civil:31 famílias; Condomínios Cristo e Vitória: 124 famílias e Auxílio Moradia: 87 famílias. Loteamento Parque Sul, projeto habitacional da Prefeitura de João Pessoa, vai contemplar 959 famílias sem-teto, que vivem em acampamentos em vários bairros da Capital
Projeto de mais casas
Já as comunidades do Timbó; Maria de Nazaré; São Domingos; Citex; Novo Horizonte; Nova República; Gauchinha II; Bela Vista; Jardim Mangueira e mais 14 bairros que têm famílias morando em condições precárias de moradia vão ser beneficiadas com o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH). “Neste projeto vão ser construídas 851 unidades habitacionais espalhadas por toda a cidade, com o mesmo projeto arquitetônico do Loteamento Parque Sul”, explicou o diretor de planejamento da Secretaria de Habitação, Rômulo Polari Filho. Segundo ele, este novo empreendimento teve algumas peculiaridades. As famílias beneficiadas têm que atender critérios como estar morando em casas de taipa, com terreno próprio, ou seja, com registro em cartório ou que possa ser regularizada e ganhar até um salário mínimo. “As famílias já assinaram todos os contratos e as obras terão início no começo de agosto de 2006”.
Melhorias em Mandacaru
Na zona Norte do Município de João Pessoa está sendo desenvolvido um outro projeto da Prefeitura, que vai beneficiar a população de Mandacaru. O Viva Mandacaru, que é viabilizado pelo Programa de Desenvolvimento Urbano e Inclusão Social, trata da urbanização integrada do Alto do Céu e Saneamento Ambiental do local. As obras começaram agora em julho.
O Projeto, segundo Rômulo Polari, é uma intervenção que visa urbanizar, regularizar e integrar os assentamentos humanos precários existentes no bairro, com plano de saneamento ambiental do município, que visa coletar e tratar 100% do esgoto.
Para isso vão ser construídas 9 mil metros de rede coletora de esgoto;726 ligações domiciliares de esgoto; duas estações elevatórias de esgotamento sanitário; pavimentação e drenagem de 74 ruas; 109 novas ligações domiciliares de água; mais de 2 mil metros de rede de distribuição de água.
Vão ser construídas ainda 109 unidades habitacionais para relocação de famílias localizadas em áreas de risco ou de preservação ambiental e realizadas reformas de 550 unidades habitacionais, que encontram-se em péssimas condições.
De acordo com Polari Filho, existe ainda projetos para mais um empreendimento na zona oeste do Município de João Pessoa, que foi denominado de Loteamento Zona Oeste. “Neste novo programa serão beneficiadas 580 famílias. Este empreendimento será licitado ainda em 2006”.