Completando hoje 23 anos de sua morte, a impunidade no caso do assassinato da líder sindical paraibana Margarida Maria Alves continua nas cortes internacionais. Antes mesmo do Estado brasileiro ter absolvido o réu, o fazendeiro José Buarque de Gusmão Neto, em julgamento ocorrido em 2001, movimentos em prol dos Direitos Humanos haviam denunciado a impunidade no caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Até hoje, denúncia não surtiu efeitos e nenhuma reparação foi feita.
A denúncia à Comissão foi feita em 2000 pelo Gabinete de Assessoria Jurídica aos Movimentos Populares (Gajop), Fundação Margarida Maria Alves e Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). Seis anos depois, sabe-se que o processo ainda não foi totalmente analisado. “Como existem muitos documentos agregados, a análise minuciosa dos autos ainda está sendo feita”, afirma Sebastian Conan, advogado do programa Direitos Humanos Internacionais, que acompanha o caso Margarida na Comissão Interamericana.
Os denunciantes pretendem que a Comissão reconheça a falta do Estado no julgamento do assassinato da líder sindical. A lentidão da justiça brasileira é apontada como uma das falhas no julgamento e no andamento do processo nos tribunais nacionais. “Nossos argumentos baseiam-se na morosidade da justiça brasileira, que acabou falhando na sentença do caso Margarida pela demora”, recorda Sebastian. Pode-se tomar como exemplo da lentidão o julgamento de José Buarque de Gusmão Neto que, depois de ter sido adiado cinco vezes, só aconteceu dezoito anos após o crime, em 18 de junho de 2001.
Fazer com que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reconheça que houve falta do Estado brasileiro no julgamento do algoz da líder sindical Margarida Maria Alves não é tarefa das mais fáceis. “É uma decisão difícil de ser revertida. Além de fazer com que a Comissão reconheça que houve falta do Estado brasileiro, será exigida uma reparação”, comenta o advogado.
Sebastian explica que a reparação ao crime pode ser tanto financeira quanto simbólica. “No primeiro caso, o montante é destinado à família da vítima. Caso seja simbólica, é construído um monumento, praça, escola ou outro aparelho público que reverenciará a memória de Margarida”.
Justiça Internacional é última chance
A justiça brasileira entende que o mandante do assassinato de Margarida é inocente e no plano do direito brasileiro, não há mais possibilidade de reverter a sentença final. “Nada mais pode ser feito pela justiça brasileira. A sentença foi transitada e julgada”, afirma Cândida Magalhães, advogada da Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves.
Agora, a solução só pode vir da sentença da Comissão Interamericana. A reparação será feita em forma de benefícios à comunidade de origem da vítima da violência, neste caso, a cidade de Alagoa Grande. Podem ser construídos escola, creche, praça ou qualquer espaço público que relembre a memória de Margarida. “Depois disso, acabam-se todas as possibilidades para fazer justiça ao caso, pois já haveremos recorrido à última instância do Direito Internacional. Agora é esperar por uma reparação vinda da Corte Interamericana”, explica a advogada.
O processo iniciou-se na Comarca de Alagoa Grande, cidade onde ocorreu o crime, mas logo foi transferido para a de João Pessoa. “Foi uma forma de esfriar o caso. Em Alagoa Grande talvez ele fosse condenado devido à pressão do povo e do movimento sindicalista local”, opina Cândida Magalhães. Ela acompanha o caso da líder sindical junto ao GAJOP.
Direitos Humanos Internacionais
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é uma instância do Sistema Interamericano de Proteção e Promoção dos Direitos Humanos.
Ela é composta por sete membros que não representam país algum em particular, mas aplicam a legislação aprovada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem aos casos a ela submetidos. A comissão é a primeira instância de julgamento de violações aos Direitos Humanos em nível internacional e composta por especialistas em Direitos Humanos, mas não tem o poder de julgar processos nem de condenar acusados.
A segunda instância, para a qual devem recorrer os peticionários caso não alcancem os objetivos do processo, é a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Enquanto a comissão recebe, analisa e investiga petições individuais que alegam violações dos Direitos Humanos, a Corte aplica a lei estabelecida na Convenção Americana. Ela funciona como um tribunal e é composta por juízes.
Qualquer pessoa, grupo de pessoas ou organização legalmente reconhecida em um ou vários Estados Partes da Organização dos Estados Americanos (OEA) pode apresentar uma denúncia perante a comissão. Para tanto, deve-se alegar a violação dos direitos humanos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos ou de algum tratado internacional ratificado pelo Estado contra o qual se alega a autoria da violação.
O Estado é responsabilizado por desrespeitar os direitos garantidos pela Convenção quando qualquer agente estatal, de maneira deliberada, viola um ou vários desses direitos. O Estado também pode ser responsabilizado por omissão a uma violação dos direitos humanos ou pela falta de justiça.