Pela primeira vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) sentenciou contra o Brasil. No dia 17 de agosto de 2006, a Corte condenou o Estado brasileiro pela morte violenta de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no dia 4 de outubro de 1999, na Clínica de Repouso Guararapes, localizada no município de Sobral, interior do Ceará.

A Corte Interamericana declara em sua sentença que o Brasil violou sua obrigação geral de respeitar e garantir os direitos humanos; violou o direito à integridade pessoal de Damião e de sua família; e violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial a que têm direito seus familiares. Como medida de reparação à família de Damião Ximenes, a Corte condenou o Brasil a indenizá-los.

Nesta sentença condenatória, a Corte deixa claro que o Brasil “tem responsabilidade internacional por descumprir, neste caso, seu dever de cuidar e de prevenir a vulneração da vida e da integridade pessoal, bem como seu dever de regulamentar e fiscalizar o atendimento médico de saúde”. A Corte também conclui “que o Estado não proporcionou aos familiares de Ximenes Lopes um recurso efetivo para garantir acesso à justiça, a determinação da verdade dos fatos, a investigação, identificação, o processo e, (…), a punição dos responsáveis pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial”.

Por unanimidade, os juizes da Corte decidiram que o Estado deverá garantir a celeridade da justiça brasileira em investigar e sancionar os responsáveis pela tortura e morte de Damião. Para Irene Ximenes, irmã de Damião, “a sentença é uma vitória para a família e para a sociedade brasileira que luta por justiça e contra a impunidade”.

A condenação do Brasil pela mais alta Corte de Direitos Humanos do continente americano é sobretudo uma repreensão internacional pela sua incapacidade e falta de vontade política de enfrentar as graves e sistemáticas violações e de combater a impunidade. Para Sandra Carvalho, diretora executiva da Justiça Global, “o Brasil agora tem a oportunidade de – na prática – demonstrar aos seus cidadãos e aos outros países membros da OEA que vai cumprir imediatamente e à risca todas as determinações da sentença, assinalando vontade política em combater as violações de direitos humanos”.

O caso Damião Ximenes é também um passo importante para política pública de saúde mental no Brasil que, apesar de ter avançado nos últimos anos, ainda registra casos de violência contra pacientes psiquiátricos e ausência de mecanismos de apuração.

Com esta preocupação a Corte entendeu que o Brasil deve implementar mecanismo eficaz de recebimento e apuração de denúncias sobre violências e maus tratos cometidos contra pessoas portadoras de transtornos mentais, e medidas que busquem dar efetividade à sua obrigação legal de regulamentar e fiscalizar em caráter permanente a prestação de serviços de saúde pública com qualidade.

A Justiça Global e os familiares de Damião Ximenes assinalam a importância de se garantir medidas judiciais eficazes e céleres para averiguação e responsabilização de pessoas e instituições que tratem de forma cruel, desumana e degradante as pessoas portadoras de transtornos mentais.

A sentença tem ainda ramificações extremamente importantes na luta contra a impunidade e pela promoção e proteção dos direitos humanos no Brasil. A decisão do caso traz luz e atenção internacional para as falhas endêmicas do sistema de justiça brasileiro.

Resumo do caso – Em 1º de outubro de 1999, Albertina Ximenes internou seu filho, Damião Ximenes Lopes, portador de transtorno mental, na Casa de Repouso Guararapes – a única clínica psiquiátrica da região de Sobral. Três dias mais tarde, no dia 4 de outubro, Albertina retornou à clínica para visitá-lo, mas foi informada por um funcionário que Damião “não estaria em condições de receber visitas” . Inconformada, entrou na clínica gritando pelo nome do filho; Damião veio ao seu encontro em estado altamente deplorável, sangrando bastante, com diversas escoriações, hematomas e com as mãos amarradas. Ela solicitou a um funcionário que o levasse para tomar banho; em seguida, procurou pelo médico responsável, Francisco Ivo de Vasconcelos – diretor da Casa de Repouso Guararapes e legista do Instituto Médico Legal (IML) de Sobral – que apenas prescreveu alguns medicamentos, sem sequer examinar Damião.

Quando mais uma vez procurava por seu filho, uma servente da clínica lhe informou que havia ocorrido uma forte luta entre Damião e os enfermeiros, e que em virtude disso ele teria ficado muito machucado. Albertina encontrou-o ao lado de uma cama, completamente nu e ainda com as mãos amarradas. Como não podia levar Damião de volta, Albertina retornou à sua residência, mas quando chegou já recebeu a informação de que a Casa de Repouso Guararapes havia comunicado o falecimento de seu filho.

O laudo emitido no mesmo dia pela clínica e assinado pelo Dr. Francisco Ivo de Vasconcelos atestava a morte de Damião por ” parada cárdio-respiratória”. Diante das circunstâncias, os familiares de Damião decidiram levar seu corpo para necropsia na capital, Fortaleza, uma vez que o legista do IML de Sobral também ocupava o cargo de diretor da clínica onde Damião havia falecido. O IML da capital, apesar de todas as evidências de violência sofrida por Damião, atestou “morte real de causa indeterminada” .

A partir deste momento, Irene Ximenes Miranda, irmã de Damião Ximenes Lopes, inicia sua busca por justiça denunciando o ocorrido a todas as autoridades competentes como Polícia Civil, Ministério Público Federal e Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Ceará.

Decepcionada com a inércia e ineficiência das autoridades competentes brasileiras, Irene enviou a denuncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Posteriormente, a organização não-governamental Justiça Global passou a integrar o caso como co-peticionária no Sistema Interamericano.

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