por Luciel Araújo de Oliveira, jornalista e coordenador do Serviço de Educação Popular (SEDUP)

Para abordar a polêmica em torno das organizações não governamentais alvo de acusações e investigações de irregularidades no uso do dinheiro público nos últimos meses precisamos, antes, separar joio e trigo. Situar, minimamente, o lugar e a contribuição incontestável e singular de outras ONGs (que, por sinal, em nada se assemelham a essas entidades que se encontram na berlinda da mídia), para a história da política, da educação, da luta e conquista de direitos no Brasil.

A primeira geração dessas organizações surgiu no final do período de governo militar, com um destino inescapável de contestar e enfrentar a ditadura e já começando a incorporar em seu perfil o que se tornou uma de suas principais características, até bem pouco tempo – cumprir, em diversas áreas, o papel que o estado não assumia, a exemplo da educação de adultos, do desenvolvimento rural e do enfrentamento à violação de direitos e à exclusão social.

Com o fim da ditadura e a promulgação da Constituição Federal de 1988, começa a se estabelecer um novo tipo de relação entre governos e organizações da sociedade civil com reconhecimento de suas contribuições, entre outras coisas, para a democracia no país. Mais tarde, a vitória da esquerda nas urnas abre a perspectiva do Estado trabalhar em colaboração com ONGs na execução de políticas públicas através do estabelecimento de convênios. Além de representar um novo modo de se elaborar e executar políticas públicas, esse mote despertou também o surgimento de um sem número de organizações oportunistas, mas talvez, ainda, não necessariamente desonestas. Mas, com o passar dos anos, foi esse filão que fez surgir organizações “laranjas”, algumas criadas por políticos corruptos, com o fim deliberado de surrupiar milhões em dinheiro público.
Tudo isso não foi tão rápido e automático como se pode pensar. Mas, a “grosso modo”, é o que se pode dizer do modo como caminharam as coisas até aqui. Vale lembrar que conforme a Abong (Associação Brasileira de Ongs), o governo mantém atualmente convênios com 100 mil entidades sem fins lucrativos,  Entretanto,99% das mais de 340.000 organizações existentes sequer recebe dinheiro do Governo Federal, segundo levantamento feito pela ONG Contas Abertas.

A mídia, interessada em polêmica, ajuda a manter a população longe das informações transparentes e, ignorando a história, coloca as instituições num só pacote, pronto para ser explodido, prejudicando desde os serviços das instituições sérias e comprometidas. Fazer isso, além de injusto, é desonesto, ou, no mínimo, um ato de ignorância, distanciado da realidade do trabalho dessas organizações sérias que quase nunca são pautadas na mídia para mostrar o que fazem de positivo.

Para finalizar a conversa, a heterogeneidade que caracteriza essas organizações, atualmente, seja quanto à relação com governos e com recursos públicos ou no modo como atuam e se apresentam na sociedade não permite generalizações. Pelo contrário o que se espera é que se avance na discussão de um marco legal para esse modelo de instituição que não pode, por diversas razões, ser tratado como se fosse a administração pública – nem para o bem, nem para o mal. Mas isso é outro papo.

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