O dia era 12 de agosto, o ano 1983, no mundo a data repercutia o lançamento do primeiro computador pessoal um ano antes e os avanços tecnológicos da época criavam a esperança de um amanhã melhor, em meio ao clima de insegurança com uma guerra fria que se arrastava há décadas. No Brasil, vivíamos os primeiros embriões do que se tornaria o movimento Diretas Já e o enfraquecimento de uma ditadura militar de quase vinte anos. Em uma pequena cidade do interior paraibano, de nome Alagoa Grande, longe das novidades tecnológicas e tão preocupada com seus próprios problemas quanto os da nação, um tiro de escopeta calibre 12 acertava o rosto da sindicalista e militante dos direitos dos camponeses Margarida Maria Alves, tirando a sua vida na frente de seu marido e seu filho pequeno. O disparo repercutiu não só numa família, mas também em todo o Estado, País e até internacionalmente, com ampla repercussão em organismos políticos de defesa dos direitos humanos, por seu caráter político.
“É melhor morrer na luta
do que morrer de fome”
Margarida Maria Alves foi a primeira mulher presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, lutou em todos os anos a frente do cargo para garantir os direitos para os trabalhadores do campo como registro em carteira de trabalho, jornada de 8 horas de trabalho diário, 13° salário, férias e outros. No hoje famoso discurso na comemoração do Dia do Trabalhador em 1º de maio de 1983, Margarida denunciou as ameaças de morte que recebia e disse a frase que se tornou sua marca: ‘É melhor morrer na luta que morrer de fome’.
O principal acusado de ser o mandante do crime, o médico e fazendeiro José Buarque de Gusmão, conhecido como Zito Buarque, era o administrador da Grande Usina Tanques, local que empregava muitos integrantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade. O local era constantemente acusado de abusos aos trabalhadores e descumprimento a legislação trabalhista. Em 2001, Zito Buarque foi julgado pelo crime e absolvido por 5 votos a 2 pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB).
O caso foi levado ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a decisão, em novembro de 2002. O crime teve denúncia encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), em conjunto com o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL), Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves.
Em 2013 a Fundação lançou a Campanha Margarida na Memória, na qual disponibiliza mais de 35 documentos (entre atas, petições e recortes de jornal) do acervo particular da entidade, todos relacionados ao caso. A Campanha é uma forma de fortalecer a memória brasileira e instigar pesquisadores, alunos, trabalhadores e a sociedade, em geral, para a lembrança da luta de Margarida Maria Alves.
Inspirada também pelo ideal da sindicalista surgiu em 2000 a Marcha das Margaridas, mobilização realizada sempre em um dia 12 de agosto em lembrança ao assassinato. Promovida pela Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Marcha reúne cerca de 20 mil mulheres de todas as regiões do Brasil e chega em 2015 a sua 5ª edição. É considerada a maior manifestação atual pelos direitos das mulheres no mundo e conta com uma estimativa de reunir 70 mil ativistas em Brasília.
O evento, que acontece entre terça (11) e quarta-feira (12), tem como tema este ano “Margaridas seguem em Marcha por Desenvolvimento Sustentável com Democracia, Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade”. Passados 32 anos do assassinato de Margarida Maria Alves fica a lembrança da militante, sindicalista, mas, também, da mãe, esposa e amiga que não só lutava como buscava espalhar seus ideais o mais longe que pudesse. Um símbolo pelos direitos dos trabalhadores rurais no Brasil que nunca morrerá. Acesse a Campanha Margarida na Memória pelo link: