Há 24 anos, uma bala na cabeça pôs fim à militância da líder sindical paraibana Margarida Maria Alves em prol dos direitos dos trabalhadores rurais. Margarida foi assassinada no dia 12 de agosto de 1983, na porta da sua casa, no município de Alagoa Grande, interior da Paraíba e o criminoso, um homem encapuzado, que fugiu em um carro onde seus comparsas o aguardavam, nunca foi punido. Na época, a sindicalista movia 72 ações em defesa de trabalhadores rurais da região.
Margarida era presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande e durante os doze anos em que esteve à frente da instituição moveu mais de 600 ações trabalhistas contra usineiros e fazendeiros da região, grandes geradores de emprego. Ela lutava pelos direitos do homem do campo, muitas vezes desrespeitados pelos patrões, como o décimo-terceiro salário, o registro em carteira, jornada de oito horas diárias e férias obrigatórias.
A atuação de Margarida não agradava aos fazendeiros e menos ainda à classe mais rica da região, já que eles eram os responsáveis pelas diversas infrações à legislação trabalhista, objetos dos processos movidos por ela. Os mandantes do crime faziam parte do conhecido “Grupo da Várzea”, que reunia grandes fazendeiros, deputados e prefeitos.
Entre os autores do crime estavam o soldado da Polícia Militar Betaneo Carneiro dos Santos, os irmãos Amauri José do Rego e Amaro José do Rego, além de Biu Genésio, motorista do veículo utilizado no crime e morto em janeiro de 1986 como “queima de arquivo”. Os fazendeiros Agnaldo Veloso Borges, José Buarque de Gusmão e Antônio Carlos Coutinho Regis também estavam envolvidos em conflitos na região.
O processo na justiça brasileira pela condenação dos suspeitos do assassinato de Margarida acusava os envolvidos por crime de homicídio qualificado, previsto pelo artigo 121 do Código Penal brasileiro. A advogada da Fundação Margarida Maria Alves, Anna Izabella Chaves, lembra ainda alguns agravantes do crime, que o qualificam como homicídio qualificado. “O crime possui diversas características qualificadoras que o agravam, como o modo cruel da execução sumária, o motivo torpe e o fato de o executor ter assassinado a vítima mediante oferta de dinheiro”, destaca.
Várias manobras fizeram com que o julgamento do caso fosse adiado cinco vezes. O acusado de ser o mandante do crime, o fazendeiro José Buarque de Gusmão, era bastante influente na política e economia da Paraíba e o grupo ao qual pertencia não nega tal fato. Tentando fazer com que o prazo do processo expirasse, conseguia sempre adiar o julgamento, com uma justificativa judicialmente satisfatória encontrada pelo seu advogado de defesa. “O crime de homicídio pode prescrever vinte anos após o início do processo, caso não haja julgamento”, explica Anna Izabella.
Julgamento manteve acusado impune
Devido à pressão de vários grupos da sociedade civil organizada, que se organizaram em um comitê nacional contra a impunidade do assassinato de Margarida Maria Alves, o julgamento do acusado de ser mandante do crime, José Buarque de Gusmão, ocorreu no dia 18 de junho de 2001. Após horas de trabalho, a sentença final atestou a impunidade ao caso. Por cinco votos a dois, José Buarque foi absolvido.
Como não existe mais solução para o caso no nível do judiciário brasileiro, uma denúncia alegando a falta do Estado Brasileiro no julgamento do caso Margarida Maria Alves foi feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão instituído pela Organização dos Estados Americanos para apurar a violação dos Direitos Humanos entre seus países membros. A denúncia à comissão foi feita em 2000, pelo Gabinete de Assessoria Jurídica aos Movimentos Populares (Gajop), Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves e Movimento Nacional de Luta pela Moradia. O processo está sendo analisado pela comissão, mas, também lá, o caso continua sem solução.